sábado, 31 de julho de 2010

Árvores portuguesas desvendam clima do passado


Um laboratório novo, dois grupos e uma floresta para caracterizar. Depois de estudados, carvalhos e pinheiros vão mostrar que tempo fazia cá há 400 anos

A operação é simples. Sofia Leal vai rodando uma espécie de broca manual, bem até ao centro do tronco da árvore, insere em seguida um estilete no orifício e, com muito jeitinho, recolhe um finíssimo cilindro de madeira. Depois é tempo de retirar a broca, rodando-a agora para o lado contrário, o que produz um som inesperado, de madeira seca, como uma porta a chiar, mas muito mais alto. Não há problema, "ela não grita", diz a jovem investigadora a sorrir.

Sofia Leal está habituada. Aquele procedimento "é inofensivo para a árvore", explica a investigadora do recém-inaugurado Centro de Dendrocronologia, do Instituto Superior de Agronomia (ISA). Quanto à amostra que acabou de recolher, ela é uma fonte de informação preciosa. Contém uma memória do clima e um calendário preciso sobre o passado e esse é todo um campo de estudo que está agora a iniciar-se em Portugal. A dendrocronologia e a dendroclimatologia - dendro é uma palavra grega e significa árvore.

Com um projecto financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), que se iniciou em Janeiro e vai durar três anos, a equipa de Sofia Leal e um grupo da Faculdade de Ciências de Universidade de Lisboa (FCUL), ligado ao SIAM (estudo das alterações climáticas no País), vão viajar até ao passado climático em Portugal através dessa informação contida nas árvores da floresta portuguesa (ver caixa).

"Estamos a contar conseguir ir até há 300 ou 400 anos", diz a investigadora do ISA. Qual seria a temperatura média de Verão nessa altura, quando por cá dominavam os Filipes, e depois, quando lhes sucedeu o rei D. João IV? Terá havido secas graves, ou eram regulares os padrões da chuva?

Conhecer o clima dessas épocas exige recurso a informação indirecta, e a metodologia mais fidedigna, está demonstrado, é a dos anéis de crescimento das árvores.

Ano após ano, à medida que crescem, as árvores guardam nas suas células informação sobre a temperatura, a precipitação, a humidade do ar e até a poluição do seu ambiente. Quem já viu um tronco de árvore cortado sabe que ele é feito de anéis concêntricos sucessivos. E cada anel corresponde, na maioria das árvores de clima temperado, a um ano de crescimento. É analisando e caracterizando as células de cada um desses anéis que os cientistas conseguem conhecer a informação climática que caracteriza cada um desses anos. E como as árvores de uma mesma floresta apresentam naturalmente um padrão idêntico fica assim estabelecida uma cronologia que permite depois estudos noutros áreas, como a arqueologia, para datação precisa de objectos de madeira, ou com madeira. Quando esteve a fazer o doutoramento nesta área, em Viena, Sofia Leal participou nos estudos de datação de um castelo, com esta metodologia. E também andou enfiada numa mina de sal, para recolher madeiras datadas da Idade do Ferro, com cerca de três mil anos.


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