terça-feira, 25 de setembro de 2012

Sexo nas plantas com flor funciona graças a interruptores no ADN

A fecundação nas plantas com flor é totalmente diferente da nos animais

A fecundação nas plantas com flor é totalmente diferente da nos animais (Pedro Cunha (arquivo)) 

Entre a célula sexual masculina e feminina das plantas com flor há mais do que um casamento de cromossomas que produzem uma nova vida. Para que a reprodução corra bem, é essencial que cada célula sexual desligue genes do ADN da outra célula como se houvesse uma dança de interruptores, mostra um artigo publicado agora na Cell, de uma equipa do Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC), em Oeiras. Uma "reprogramação" genética que é essencial para garantir as futuras gerações de plantas e que, caso se consiga manipular, poderá ser útil para a agricultura.

A molécula da vida conhecida como o ADN pode ser vista como um longuíssimo teclado de genes com muitas notas e acordes que servem para construir diferentes melodias. Nos animais e humanos, depois do espermatozóide fecundar o óvulo, a "melodia" que sai do ADN de cada célula vai mudando e permite dar origem à pele, ao fígado ou neurónios. Para isso, o "teclado" do ADN das células de cada tecido vai-se transformando. Neste processo, há regiões em que o teclado se enrola para sempre e não pode ser tocado (através de um processo chamado metilação), e outras regiões que passam a estar especialmente activas. Desta forma, essas células ficam comprometidas a serem pele ou fígado, e perdem o potencial de se transformar em qualquer outro tipo de tecido. Só que há um pormenor: para os animais assegurarem células descomprometidas para a próxima geração, logo durante o desenvolvimento embrionário há um grupo que fica guardado sem sofrer alterações no ADN e migra para os tecidos que vão ser os órgãos sexuais. São estas células que, depois, dão origem aos óvulos nas mulheres e aos espermatozóides nos homens. Têm um "teclado" de ADN intocado para, quando a fecundação acontecer, o zigoto poder dar origem a um ser completo.

Nas plantas mais complexas este processo é totalmente diferente. Os órgãos sexuais das plantas, que se encontram nas flores, são formados depois do desenvolvimento do caule, das raízes ou das folhas. Por isso, as células que dão origem ao grão de pólen, a célula sexual masculina, e à célula sexual feminina que se encontra no ovário, no carpelo da flor, levam já uma boa quantidade de alterações no ADN.

"Nos animais, as linhas germinativas são criadas logo no início do desenvolvimento, mas nas plantas são criadas no fim. Por isso é necessário haver uma reprogramação [do ADN], mas não uma reprogramação total", explica Jörg Becker ao PÚBLICO. O cientista é investigador principal do grupo do IGC e, com uma equipa do Cold Spring Harbor Laboratory, nos Estados Unidos, investigou como é que esta reprogramação se faz.

Os investigadores olharam para os grãos de pólen da Arabidopsis thaliana, o modelo por excelência para estudar o desenvolvimento e a genética das plantas. Dentro do grão de pólen há três núcleos importantes: o núcleo vegetativo, que é uma espécie de grande comandante que faz crescer um tubo a partir do grão de pólen até ao ovário, depois de se ter dado a polinização, e ainda os dois núcleos sexuais masculinos, responsáveis pela fecundação.

A equipa conseguiu, com uma técnica inovadora no IGC, separar o núcleo vegetativo dos sexuais. Depois, ao analisar as células, verificou que o ADN do núcleo vegetativo estava mais esticado e o ADN das células sexuais masculinas estava mais encolhido e metilado. Estas regiões truncadas do ADN são, segundo Becker, importantes na reprodução. "Nas estirpes mutantes em que as células sexuais não estão metiladas, a partir da terceira ou quarta geração, deixa de se conseguir formar uma planta", explica. Ou seja, nas plantas, se durante a fecundação todo o teclado do ADN estivesse disponível para "tocar", a "melodia" resultante produziria uma linhagem que em poucas gerações deixaria de crescer.

Mas a fecundação ainda é mais complexa. No ADN das plantas e dos animais há elementos que conseguem sair de um sítio e ocupar um outro local do teclado. Estes elementos chamam-se transposões. Podem impedir genes de funcionar, mas também podem activar outros genes, mudando a melodia do teclado. A equipa descobriu que os transposões são controlados entre a célula sexual masculina e feminina. Na Arabidopsis, depois da fecundação, a célula sexual feminina lança pequenas moléculas que imobilizam certos transposões do ADN da célula sexual masculina e vice-versa, funcionando como interruptores. "É um encaixe", diz o cientista. 

O fenómeno permite assim a reprogramação do ADN para a próxima geração, e, segundo o cientista, tem o potencial de ser usado na agricultura: "A activação não-controlada dos transposões pode explicar barreiras de hibridação, onde os cruzamentos entre espécies resultam no aborto. A quebra das barreiras levaria a uma maior probabilidade de se melhorar as culturas de espécies através do uso do fenómeno do vigor híbrido, onde a descendência mostra mais qualidades do que os progenitores." 

fonte: Público

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