terça-feira, 20 de agosto de 2013

Tubarões: a ameaça branca


Em 1975 Tubarão, a obra-prima de Steven Spielberg, deixou banhistas de todo o mundo em sobressalto. De um dia para o outro, o animal marinho entrou no imaginário de crianças e adultos como uma das mais temidas criaturas do mundo. O grande peixe aparecia ali retratado como uma máquina de matar – ou mesmo o próprio demónio com mandíbulas.

Das mais de três centenas de espécies de tubarão diferentes, cujos tamanhos variam entre menos de 20 centímetros e 12 metros, muito poucas representam perigo para o homem. O tubarão branco, o tubarão-tigre e o tubarão-touro, no entanto, contam-se entre aqueles com os quais um encontro no mar não é, de todo, desejável.

Mas são raras as mortes resultantes de ataques de tubarão não provocados (chama-se ‘ataques provocados’ àqueles que resultam da iniciativa humana, envolvendo por exemplo mergulhadores ou pescadores): em média, pouco mais de quatro por ano em todo o mundo (o número total de ataques ultrapassa os cem em cada ano).

Uma dessas mortes aconteceu este mês numa praia do Recife, no Brasil. E chocou todo o mundo. Bruna Giobbi, de 18 anos, morreu a 22 de Julho, horas depois de ter sido atacada por tubarão (calcula-se que um tigre) enquanto nadava na Praia da Boa Viagem. As imagens foram difundidas por vários meios de comunicação de diversos países. E o choque foi ainda maior devido às circunstâncias do trágico acidente.

Bruna estava a nadar com os seus primos. Na sequência de uma vaga de ondas, foram arrastados para longe de terra. Três deles conseguiram sair. Bruna e outro primo não. Quando os nadadores-salvadores se aproximavam dos jovens que pediam ajuda, uma mancha de sangue começou a alastrar pela água. Um tubarão tinha atacado Bruna a apenas 50 metros da praia e a pouco mais de dois de profundidade, amputando-lhe parte de uma perna. Depois de três ataques cardíacos, Bruna não sobreviveu aos ferimentos, acabando por morrer nessa noite.

Embora tenha apanhado todos de surpresa, este incidente não foi um caso isolado. Ao longo das duas últimas décadas registaram-se 24 ataques de tubarões nas águas de Recife. Calcula-se que a presença destes animais tão perto da costa nos últimos anos se deva à construção de Porto de Suape nos anos 80, cujo movimento de navios atrai os tubarões-tigre que, depois, são arrastados por uma corrente para a zona litoral da Praia da Boa Viagem. A discussão está instalada: sendo essa zona perigosa para os banhistas por que não está, então, interditada? Segundo o jornal brasileiro O Globo, o Ministério Público quer proibir os banhos nessas zonas de risco. Mas o Governo de Pernambuco tem uma opinião diferente, afirmando que a interdição só seria possível colocando um polícia junto de cada banhista. E por isso considera que as medidas até agora tomadas, como as placas que alertam para o perigo de ataque de tubarão colocadas nas praias, são suficientes. A família de Bruna não poderia estar menos de acordo, e salienta que não foi devidamente avisada do perigo.

Certo é que, no dia do acidente, o barco responsável por monitorizar os tubarões nas águas estava atracado. Há sete meses, aliás, que não cumpria a sua função. E só agora voltou a patrulhar as águas. Uma prima de Bruna é peremptória: “Acho que as entidades locais, prefeitura, governo, têm que se responsabilizar [...], alguém tem que tomar uma providência. Vai acontecer com outros também”.

Nas Ilhas Reunião, no Oceano Índico, um caso semelhante abalou o mundo no início de Julho. Uma adolescente de 15 anos morreu devido a um ataque de tubarão enquanto nadava a poucos metros da costa na companhia de outra jovem. De acordo com fonte oficiais, as duas nadavam numa área sem supervisão onde os banhos estão proibidos precisamente devido ao elevado número de tubarões. Mesmo assim, consideraram o ataque surpreendente, por um tubarão estar tão perto da praia.

Não foi o primeiro ataque de um tubarão naquelas ilhas: ao longo dos últimos três anos morreram cinco pessoas. Em Maio deste ano, um surfista morreu noutra zona costeira das Reunião, em circunstâncias idênticas. Como prevenção, foram colocadas redes de segurança no local e em breve também a baía onde a adolescente foi atacada terá esse tipo de protecção. Mas quantas águas não permanecerão abertas?

Tubarão à portuguesa

Por cá, os mares também não estão livres de tubarões. Exemplo disso é o enorme tubarão frade, de 3,5 metros, encontrado morto em Cascais esta semana. Ou os cações, que tantas vezes se encontram nas mesas dos portugueses. “Na costa portuguesa estão documentadas mais de 30 espécies de tubarões, muitas das quais com elevado interesse comercial e que são muitas vezes alvo de captura e posterior venda em mercado”, explica ao SOL a bióloga e historiadora Cristina Brito, investigadora integrada do CHAM (Centro de História de Além Mar) da Universidade Nova de Lisboa e coordenadora de projectos na Escola de Mar, dando como exemplo os tubarões-lixa, ratões, tintureiras e cações. “Algumas espécies são alvo de capturas acessórias de outras pescarias, não tendo valor comercial e sendo posteriormente descartadas de volta ao mar já mortas, o que causa um problema de conservação das espécies”. A bióloga salienta ainda que muitas destas espécies de tubarões circulam longe da costa ou em profundidade e que, por isso, raramente ‘se encontram’ com pessoas. No entanto, aparecem esporadicamente “determinadas espécies de tubarões de grandes dimensões, como os grandes tubarões filtradores, que se alimentam de pequenos animais que estão na coluna de água, por filtração”, de que é exemplo o tubarão-frade. “Estes não são alvo de capturas, mas aparecem muitas vezes em artes de pesca e acabam por ser trazidos para terra [...]. Pelo seu tamanho, impressionam bastante mas, sendo filtradores, não são obviamente predadores activos e, portanto, não colocam em risco de nenhuma forma a vida humana”.

Ainda de acordo com Cristina Brito, mesmo os tubarões presentes na nossa costa que se alimentam de peixes ou cefalópodes “não causam perigo à vida humana, mesmo quando se aproximam das praias ou são vistos à superfície, como acontece frequentemente”.

A ameaça humana

Devido ao seu grande porte, e às suas potentes mandíbulas, os tubarões provocam em muitos um enorme terror (existe até um medo patológico de tubarões, a selachofobia, em que as pessoas chegam a ter ataques de pânico só por verem um fotografia de um tubarão, não conseguem entrar no mar e têm até, por vezes, medo de nadar em piscinas). Sobre outros, exercem um fascínio proporcional. São muitos os que se deslocam à África do Sul para, no famoso mergulho em jaula, nadarem junto aos tubarões brancos.

Apesar da fama, o tubarão é também vítima de outro predador: o homem. Várias espécies, como o tubarão-martelo e o tubarão branco, encontram-se ameaçadas devido à pesca e à degradação do seu habitat pelas alterações climáticas, poluição e destruição das barreiras de coral. Estima-se que, anualmente, 100 milhões de tubarões sejam mortos pela pesca comercial e recreativa (não só a sua carne é muito procurada como a barbatana de tubarão é usada na medicina chinesa e considerada uma iguaria gastronómica um pouco por toda a Ásia). Ao longo das últimas décadas tem-se tentado regular a pesca de tubarões para proteger as espécies mas, devido à forte oposição da China e Japão, pouco tem sido feito. Como disse Woody Allen: “A natureza é um enorme restaurante”. E nós somos os principais comensais.

fonte: Sol

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