sábado, 7 de setembro de 2013

Humanos e tuberculose: uma relação com 70.000 anos ainda longe do fim


A vaga de resistências da bactéria da tuberculose aos antibióticos é um novo capítulo desta história MANUEL ROBERTO

Três estudos sobre a tuberculose revelam novos genes com mutações ligadas à resistência aos antibióticos. Um quarto trabalho mostra que bactéria já infectava o Homo sapiens antes da sua saída de África

Muito antes de ser tornar popularizada pelo movimento romântico no século XIX, a tuberculose já era uma praga antiga. Hoje, apesar de todos os avanços na medicina, há determinadas estirpes da Mycobaterium tuberculosis que se tornaram resistentes a muitos antibióticos. Três artigos publicados ontem na Nature Genetics, onde se mapeiam as mutações genéticas que conferem resistência ao bacilo e onde se mostra que a progressão desta resistência se dá passo a passo, trazem novas ferramentas para uma luta mais eficaz. Uma quarta investigação, na mesma revista, coloca a origem desta doença há 70.000 anos, em África.

Anualmente, continuam a morrer entre um e dois milhões de pessoas com tuberculose. Esta doença costuma demorar seis meses a ser curada. As pessoas que apanham uma bactéria adaptada aos antibióticos podem só conseguir livrar-se dela ao fim de três anos e algumas tomam antibióticos até ao fim da vida.

Há estirpes com diferentes níveis de resistência. A tuberculose multi-resistente não reage aos dois principais antibióticos de primeira linha - isoniazida e rifampicina -, mas é susceptível aos antibióticos de segunda linha, mais tóxicos e menos eficazes. A tuberculose extensivamente resistente, como é designada, além daqueles dois, não reage a um dos três antibióticos de segunda linha.

A equipa liderada por Megan Murray, da Escola Médica de Harvard, em Boston, nos EUA, é responsável por um dos dois artigos sobre as regiões dos genomas onde se dão adaptações aos antibióticos. Estes cientistas analisaram novas mutações no ADN de mais de 120 estirpes da bactéria, provenientes de todo o mundo, e que têm diferentes tipos de resistência. A equipa descobriu alterações em 39 genes novos associados a uma elevada resistência aos fármacos.

"Muitos destes genes estão ligados à regulação da parede celular das bactérias, já que muitas classes de fármacos atacam essa parede. As mudanças desta estrutura ou alterações no seu metabolismo poderão conferir resistência a uma grande variedade de químicos", sugere Maha Farhat, outra autora do artigo.

Um terceiro estudo observou a sequência de mutações sofridas pela Mycobaterium tuberculosis até se tornar resistente ao etambutol, outro antibiótico contra a tuberculose. "O nosso estudo contradiz a crença comum de que as resistências aos fármacos são causadas por uma mutação num único passo", escreve a equipa de David Alland, da Escola Médica de New Jersey, nos EUA.

"Nunca olhámos para o genoma total de tantas estirpes da bactéria da tuberculose", frisa o investigador Miguel Viveiros, especialista em tuberculose do Instituto de Higiene e Medicina Tropical, em Lisboa. Para o cientista, esta é a grande mais-valia destes trabalhos, que possibilitarão, no futuro, um diagnóstico mais acertado das estirpes de bactérias dos doentes de tuberculose. "Com uma análise genética, podemos estudar o bacilo [de um doente] e ver qual o seu perfil de resistência para aplicar o tratamento mais acertado, em vez de ser por tentativa e erro", avança o cientista, que não esteve envolvido nos estudos naNature Genetics.

Apesar de os dados serem provisórios, os casos de tuberculose para 2012 em Portugal - 21,6 por 100.000 habitantes - aproximam-nos dos países com baixa prevalência (abaixo dos 20 casos por 100.000 habitantes). Mas o combate duro que se enceta desde a década de 1980 contra esta doença ajudou ao aparecimento de formas resistentes.

Para Miguel Viveiros, esta nova vaga de resistências é o mais recente capítulo de uma história que agora se provou ser muito mais antiga, como conclui o quarto artigo, de Iñaki Comas, do Centro de Investigação de Saúde Pública em Valência, Espanha. A equipa analisou a genética de 259 estirpes do bacilo, depois comparou--as com a história da espécie humana, e concluiu que oHomo sapiens transporta o bacilo há 70.000 anos, ainda antes da sua saída de África para se espalhar pelo planeta.

Ao longo do tempo, a bactéria adaptou-se quer a uma densidade populacional baixa, quer a um contexto de mais gente. "Grandes aglomerados humanos com poucas condições de higiene, má nutrição e mau arejamento" das casas são sempre uma receita para a bactéria se tornar mais letal, remata Miguel Viveiros.

fonte: Público

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